
- Habitación de hotel. Rossi, Cristina Peri. Barcelona: Plaza & Janés (Random House Mondadori), 2007.
Sempre arranhei um pouco de espanhol, um atrevimento meu. Na verdade, leituras de livros que só tinham na versão hispânica me empurraram para isso. Não tinha disposição de caçar os livros com tradução, já esgotados. Não tinha Estante Virtual há 20 anos atrás. Mas comecei a ler poesia em espanhol mais recentemente, depois que ouvi um vídeo de uma poesia sensacional: Táctica y Estrategia, do Mario Benedetti.
Foi o suficiente para buscar mais, pesquisar mais, e eis que ganho o livro Habitación de hotel, de Cristina Peri Rossi, de um amigo que é um leitor ímpar. A poeta, além de ter sido o amor impossível de Julio Cortázar (ela era homossexual!), nasceu em Montevidéu, no Uruguai, em 12 de novembro de 1941.
Seu percurso também foi curioso: estudou biologia, mas acabou se licenciando em Literatura Comparada. Teve que abandonar o país, por motivos políticos, e foi para Barcelona e Paris. Seu primeiro livro saiu em l963, e com ele ganhou os prêmios mais importantes do Uruguai. No entanto, sua obra foi proibida, assim como a simples menção ao seu nome nos meios de comunicação, entre 1973 e 1985.
Citando José Manuel Caballero Bonald, Raymond Carver e Wallace Stevens, Cristina escreve de maneira lúcida e apaixonada, provocadora, audaz. Nele se fala da profunda solidão das grandes cidades, fala do amor desde seu nascimento, atravessando o desespero do desejo e chegando à sua extinção. E, por esse motivo, Cristina observa nos hotéis e aeroportos esse mesmo ir e vir do desejo, a representação da fugacidade e da ânsia de se vincular e de se tornar único, ao menos para uma pessoa, durante a vida.
Mesmo sem conhecer profundamente a língua, encontramos joias espalhadas:
Mi casa es la escritura (minha casa é a escrita)
casa de cien puertas y ventanas (casa de cem portas e janelas)
que se cierran y se abren alternadamente (que se fecham e se abrem alternadamente)
Cuando pierdo una llave (quando perco uma chave)
encuentro otra (encontro outra)
ou, ainda,
Las madres que inventaron nombres (as mães que inventaram nomes)
para sus hijas y sus hijos (para suas filhas e seus filhos)
para los animales que domesticaron (para os animais que domesticaram)
y para las enfermedades de los niños (e para as doenças das crianças)
que llamaron cuchara a la cuchara (que chamaram de colher a colher)
y agua al líquido de la lluvia (e de água o líquido da chuva)
dolor a la punzada de la ausencia (de dor a punhalada da ausência)
y melancolía a la soledad. (e de melancolia à solidão).
Bem, a parte "homo", para falar a verdade, no me gusta mucho. Mas ainda assim há de se reconhecer a atualidade da poeta, que (por incrível que pareça) trocou o assédio de Julio Cortázar pelo regaço de uma amiga mais íntima.
Com essa atitude decidida de quem faz tudo e só o que quer, Cristina atravessa para o século XXI, trazendo para sua poética até os vírus de computadores (e este eu não vou traduzir):
Un virus ha entrado en mi ordenador
a través de un e-mail
igual que ocurre con una epidemia
o pandemonia.
No deja de ser extraño
que el amor de un mensaje
destruya mi sistema informático.
Me lo merezco
por permitir que el amor viaje por cable
en lugar de viajar por piel.
E assim Cristina segue, sensual, moderna, combinando erotismo e desolação, ternura e ironia, falando de insônia e noites de sexo, nos quartos impessoais dos hotéis onde os murmúrios solitários do cotidiano - especialmente os falados em espanhol - continuarão sempre inspirando poetas, ou, ao menos, seus grandes e sensíveis admiradores.
E assim que fui me matricular numas aulas de espanhol. Para ouvir melhor.
Mais:
- entrevista para a Barcelona Review;
- entrevista para Escritoras Unidas.