E numa das noites em que eles vigiavam juntos a lua, o tio, antes de dormir, contou um segredo. 

Contou que morava sozinho porque ainda não tinha encontrado ninguém para morar com ele na sua casa. Que era muito difícil, quase impossível, encontrar alguém que fosse para toda a vida. E isso era difícil para todo mundo, até para os pais do menino.

- É por causa da maresia, tio? Só porque a maresia rói a alma de tudo?

- Claro que não, garoto! A maresia não come alma de coisa nenhuma. Ela só come aquilo que a gente não precisa para viver. Mas ela traz de volta muito mais, ela entra por dentro, silenciosa e funda, e deixa a gente mais forte. Você não sente? É só prestar atenção... Respira fundo.

Então o menino sentiu.

Sentiu que, na casa do tio, ele não precisava de quase nada do que tinha deixado para trás. Sentiu que era imprescindível prestar a atenção nas coisas, porque senão a alma delas podia fugir. Sentiu que o brilho não conseguiria existir em nada, se não existisse primeiro por dentro. Sentiu que no silêncio é que aconteciam as transformações mais maravilhosas, e que os barulhos e as gritarias de todo dia podem escondê-las das vistas da gente.

O menino sentiu a maresia da casa.

Naquela noite ele ficou tão feliz que quase nem dormiu. Queria continuar sentindo cada vez mais a maresia nele, antes de voltar para casa, a sua casa apertada. Mesmo com todos os gritos e desatenções. Até que ela nunca mais fosse embora dele.

Ele queria levar a maresia por dentro. Na verdade, ele queria que a casa e seus pais nunca perdessem a alma. Queria que eles fossem para sempre e que nunca fossem embora, também.

Agitado, com tudo aquilo misturado dentro dele, levantou da cama sem fazer barulho, andou pela sala toda iluminada de lua, com pé descalço no chão fresco, abriu a maçaneta da porta e foi olhar o mar fazer a espuma voar de noite. Foi olhar a água do mar que trabalhava em silêncio. E respirar bem fundo aquele cheiro salgado.

Mas o mar estava com uma cor diferente de todas as outras noites. O mar estava brilhando.

... a continuar.

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