Leituras da semana
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Queridos amigos,
O Carnaval se aproxima e, no Rio de Janeiro, é quase como uma contagem regressiva de ano-novo. Fica um burburinho no ar, uma expectativa, um compasso de espera, como se as férias se esticassem até a quarta-feira de cinzas.
A movimentação na Avenida Presidente Vargas, os ensaios nas ruas principais, o desvio do trânsito junto ao Sambódromo, vão tomando corpo e se impondo como um rufar de tambores. No Rio, Carnaval é parâmetro, é divisor de águas, é ponto de referência. Ele impõe sua força, e nos resta apenas decidir o que fazer a partir dele.
Junto com a vontade de ficar para ver o espetáculo, a vontade de fugir para um retiro de lampiões, onde os grilos regem o ritmo da noite. Junto com a vontade de ver as mulatas, o desejo de assistir todos os filmes novos da locadora. Ou, como é comum sentir no carnaval de Salvador: quem vê os trios elétricos de cima quer descer, e quem desceu, não sabe se acompanha o ziriguidum ou se arrepende e volta para o quarto do hotel.
Na verdade, Carnaval é uma tentação à dúvida. Uma porta aberta para desejos conflituosos. E pior ainda seria se ele não existisse.
Dá para imaginar um lugar sem carnaval?
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Dicas da semana (23.01.2010 a 29.01.2010) | Lançamentos  - agora é tudo virtual! Vera Carvalho Assumpção
convida para o lançamento (virtual) de seu e-book, com direito a um
chat com a autora, terça-feira, dia 26, das 20h às 21h. (...) - terça, 26, Paulla Mel lança 'O sótão', às 18h na Leonardo DaVinci, Centro do Rio. Na Travessa do Leblon, Gustavo Bernardo lança 'O livro da metaficção', às 19h30. -
quarta, 27, na Travessa do Leblon, o impagável Cid Castro mostra que ele estava lá, criou a
marca Rock in Rio, foi ao RockinRio'85 e meteu o pé na lama. Aliás, 'Metendo o pé na lama' é o nome do livro. Nada mais apropriado... Já na Argumento do Leblon, às 19h, Geraldo Holanda Cavalcanti autografa 'As desventuras da graça', histórico. -
não sei o que anda acontecendo no futebol carioca, mas há um fenômeno
interessante acontecendo desde 2008: as editoras não cansam de falar
dele. (...) -
sexta, 29, Samuel Gorberg e Alberto Cohen mostram 'A elite carioca e os
fatos mundanos no Rio de Janeiro - 1920 a 1945', às 19h na Travessa do
Leblon (...) Eventos e cursos - dia 25, segunda-feira, a festa é grande na Travessa1. Vale conferir o convite e a programação aqui. - dia 27, às 20h, na Casa do Saber, tem aula-espetáculo do ator Michael Wade sobre a poesia de T.S. Eliot, com leitura de poemas. -
Inscrições abertas na PUC-Rio: 'Especialização em Leitura: Teoria e
Práticas - Formação do Leitor em Múltiplas Linguagens - PUC Rio' - dia 30, sábado que vem, tem Livros na Mesa na Estação das Letras,
com Moacir Costa Lopes, a partir das 14h30. O autor vai falar sobre
literatura e cinema, já que seu romance 'A ostra e o vento', publicado
em 1964, virou filme de Walter Lima Júnior em 1997. Novidades - A maior e mais completa ajuda ao Haiti: Hope for Haiti. Doações pelo site Hope for Haiti Now.
- Editora nova no pedaço: Tinta Negra Bazar Editorial, emplacando vários livros em lançamento nessa semana. Vida longa! - Marcelo Moraes Caetano envia novos poemas: 'PESSOAS ou AUTOPSICOGRAFADAS', no Tiro de Letra e, em inglês, em tradução do poeta, 'Do you know what love is?'.
Fontes: Caderno Prosa&Verso, jornal O Globo, suplemento
Ideias&Livros, Jornal do Brasil, contatos pelo site
www.paulacajaty.com e mailing pessoal da autora. Leia mais e veja outros links...
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A casa da maresia - parte 2
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Mas o menino não achava que era a desatenção do pai, ou o grito da mãe, que tiravam a alma das coisas que ele ganhava. Não.
Ele achava que a culpa era da maresia.
Para falar a verdade,
ele não entendia muito bem como é que a maresia chegava até lá no
décimo-oitavo andar daquele apartamento no meio da cidade cravada tão
distante do mar. Da janela, nem dava para ver nenhuma nesga de azul
daquele mar que diziam morar lá naquele horizonte.
Mas
o tio do menino uma vez lhe contou que o mar largava a maresia no ar, e
ela roía as coisas, tirava o brilho, puxava a cor e a graça de tudo. A
maresia rouba a alma das coisas, ele dizia. Contou que na sua casa, na
beira da praia, era a maresia quem comia tudo por lá.
Passou
bastante tempo desde a última visita do tio à casa dos pais. Desde um
Natal em que a mãe, em dia de gritaria, disse que tudo estava perdendo
o sentido para ela. Ele ainda nem sabia o que significava a palavra
sentido, mas imaginou que tivesse alguma coisa a ver com a alma, algo
que mora dentro de tudo.
Até
que num dia muito muito quente, no meio das férias de verão, a
campainha tocou. Era o tio. Chegou todo bonito, todo brilhoso, todo
sorriso. Chegou de bochecha gelada - o ar-condicionado do carro, ele
contou.
E
depois de ficar um pouco fazendo sala, ele foi conversar uma conversa
bem demorada com o pai e a mãe dentro do quarto. Conversa de adulto,
que não deu para escutar. A mãe não gritou dessa vez, apesar dos olhos
dela terem ficado de maré cheia.
O tio veio lá de dentro todo serelepe e cheio de perguntas.
- Fala, garotão! Quanto tempo, hein? Puxa, mas como você cresceu. Escuta, você está de férias? - Hum, hum - o menino confirmava. - Sabe, eu andei conversando com a sua mãe e o seu pai e perguntei se você não queria viajar e conhecer a minha casa. Você sabe onde fica, não sabe? - Hum, hum - ele respondia meio cabreiro, com medo da história da maresia faminta. -
Isso, garoto! Então tá feito! Faz as malas. Mas leva pouca coisa, viu?
Bem pouca. Só até as aulas voltarem. Se adiante, então, que eu viajo
hoje mesmo de volta para casa.
Na cabeça dele, a maresia da casa
ia comer o que viesse pela frente, e por isso tinha que levar pouca
coisa. Pouca coisa para se desmanchar. Só o que ele pudesse perder.
... a continuar.
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- Martins, Jorge Roberto. Luas de Paquetá. Rio de Janeiro: Altadena, 2009.
Quantas
luas foram necessárias para que Paquetá fosse esquecida? Feito uma casa
que se abandona aos poucos, feito um sítio que os herdeiros mantêm
apenas na memória, Paquetá se distancia nas águas e se perde na
lembrança, lentamente.
Jorge Roberto Martins não se conteve e
tentou trazê-la de volta. Lançou suas cordas e redes, na fé que a
correnteza das águas não a levasse de vez. Inconformado com seu destino
trágico e silencioso, Jorge Roberto reconstruiu-a nas páginas de 'Luas
de Paquetá', desde o início do século XX, mais precisamente nos idos de
1920, quando Paquetá era morada de luxo, destino de veraneio de toda a
elite cultural que soergueu o Brasil até 1960 e que, depois disso, já
não tinha mais forças para lutar.
Como Jorge conta, quando
Búzios sequer existia e Cabo Frio era ainda uma aldeia pesqueira,
Paquetá era suspirada por músicos e poetas, médicos, freiras e
pintores, cantada pelo motor dos iates e lanchas que ali aportavam.
Antes de Brigitte Bardot descobrir Búzios, era Luz del Fuego que
desamarrava o biquíni e inventava praias de nudismo. Na ilha viva e
exuberante de pássaros, houve espaço para clubes de futebol,
compositores de marchas carnavalescas, hinos e tagos-fados, escolas de
samba, cinemas, como uma extensão de Copacabana. Paquetá era uma festa.
No
entanto, ir hoje a Paquetá, especialmente em finais de semana, é uma
indignidade. É um pesadelo real e surreal. É uma submissão a todo tipo
de constrangimentos, desde a dupla fila que se forma debaixo do sol,
antes para a compra do bilhete em apenas (e apenas) 2 caixas, e depois,
para passar na única (!!!) roleta de 40 centímetros de largura, que
autoriza a entrada dos passageiros à plataforma de ingresso na barca.
Dentro
da barcaça de metal e esquadria de madeira, a mesma de 1980 (e lá se
vão 30 longos anos), o povo derrete e as crianças desidratam. Em pé, os
passageiros que lotam os corredores e as escadas não têm sequer onde
segurar, enquanto o chão se enche da água que brota dos isopores que
trazem refrescos. Pelo menos, assim ninguém desmaia no percurso de 60
minutos. Nem adianta procurar: não há lixeiras. Os
aerobarcos foram desativados e não há outra alternativa de transporte.
Por melhor que for o destino dentro de Paquetá, a criatura precisará
pagar seus pecados, de atos-pensamentos-e-omissões, naquele inferno
vivo, ao som de bebês esgoelando de calor.
Quando a multidão
salta da barca, Paquetá suspira e agoniza. O dinheiro não chega junto.
Quem vai para lá no domingo leva o piquenique, leva o isopor, e não
ajuda a ilha a sair do atoleiro. Como vejo depois, num site
de consultoria em marketing que conferiu o perfil dos usuários, a linha
inaugurada em 1877 serve ao público C e D. Daí me ponho na pele da
concessionária: 'Para quê investir?'. Volto
ao livro, o livro de Jorge Roberto que entrevê competições de nadadores
e iates, o livro que exibe belos e dourados rapazes pulando em piruetas
do teto das barcas, a juventude desafiando marinheiros e policiais. O
livro brilha em beleza e requinte, reluz de alegria. Jorge conta de
cada morador ilustre, de cada família que fez do Rio o que ele ainda é,
e de Paquetá, um pedaço importante dessa história.
Hoje a água
é podre mesmo com toda a propalada despoluição. Uma espuma marrom brota
na superfície, enquanto crianças se arriscam nas águas imundas. As
crianças de agora desafiam as doenças, hepatites, diarreias e
meningites. Muito mais corajosas, elas, sem dúvida. E nenhuma
autoridade apita para impedir o risco.
Jorge Roberto faz
força, junto com algumas dúzias de moradores, alguns deles filhos de
ilustres, que teimam em permanecer na ilha. Enquanto cortam os
flamboyants, ele escreve, travando sua luta contra os moinhos de vento,
a favela e o alcoolismo que invadem a ilha.
Paquetá é um bairro
despojado de tudo. Esquecido. Mais despojado e esquecido do que os
demais, que não tiveram a honra nem a oportunidade de alcançar seu
brilho de outrora.
A beleza que Jorge Roberto Martins narra
serve de testemunho. Testemunho dos delitos inafiançáveis, verdadeiros
crimes de lesa-pátria, praticados no Município e no Estado do Rio.
Testemunho da perniciosidade dos que assumiram de 1970 até hoje.
Testemunho do que, em breve, se tornará irrecuperável.
Estive, no fim de 2009, em Colônia de Sacramento,
no sopé do Uruguai. Um lugar que o inverno aflige e fustiga durante
quatro longos meses. E Colônia exibia a culinária sofisticada do
restaurante La Florida, onde seu dono e chef Carlos Bidanchon ali
cozinha há 40 anos. Colônia exibia suas construções preservadas, sua
antiga arena de touradas, esplêndida arquitetura espanhola, mansões de
janelas enormes à beira da foz, museus iluminados à noite pela luz do
tango e pela dança de luz dos tocheiros.
Para chegar a
Colônia, uma barca espetacular, com ar-condicionado, restaurantes,
lanchonetes, expressos e cappuccinos, Duty Free (sim, pois se atravessa
o rio entre a Argentina e o Uruguai), comissárias de bordo, marinheiros
e, como se não bastasse, Nintendo Wii para as crianças brincarem.
Sessenta minutos era pouco ali dentro.
E o Uruguai não chega nem
perto do que o Rio foi, do que o Rio é. E por um momento, eu senti
vontade de que Paquetá fosse algo semelhante a Colônia, uma cereja do
nosso bolo.
Enfim. Não é. Jorge Roberto
teve um ato de coragem, esse de escrever sobre a Paquetá que se perdeu,
silenciosamente, debaixo da lua, sobre a Paquetá-Atlântida que afundou
na Baía. Para lá, se voltam apenas olhares de loucos investidores,
seduzidos pela oportunidade de comprar um passado glamouroso por alguns
trocos, ou dos desprovidos de tudo, que encontram na barca uma fuga de
sua parca existência, uma refresco longe de seus conjugados por alguns
reais, e levam chope, frango e sanduíche para aumentar o gasto dos
paquetaenses e o trabalho de quem despolui a baía.
Digo mais, não só a ilha se perde aos poucos.
Tristemente,
o Rio de Janeiro perde, os cariocas perdem, os turistas perdem e a
tristeza impera enquanto retorno naquela barca-suplício, de cabeça
baixa ante as minhas pequenas filhas que dormem e suam, desfeitas pela
quentura. Estavam de biquíni, mas não puderam se refrescar. Perguntaram
o motivo, e eu lhes respondi ríspida, sentindo um amargo travando a
garganta: '- A água está podre, não vê?', e retornei ao silêncio. De
cabeça baixa ante os transatlânticos aportados no Píer Mauá, enquanto
eu atracava em madeirames esbranquiçados e partidos, em estruturas
metálicas amassadas e descascadas. Rasa d'água, admirando o espetáculo
geográfico do Rio de Janeiro no horizonte, enquanto os aviões desciam
em rasante ao Santos Dumont. Eu teria chorado, mas quando a tragédia é
muita, chorar perde o sentido.
Depois de ler 'Luas de
Paquetá', com a suavidade de seus registros, como o é o 'Cemitério dos
Pássaros' ou a lenda da Maria Gorda, baobá que nasceu entre mistérios e
crendices, fico como que mareada e sinto um estupor, uma vontade triste
de chegar a ver Paquetá novamente como Jorge a descreveu, entre sóis e
luas, entre brilhos e reflexos do que o povo do Rio pode vir a se
tornar. Ou simplesmente voltar a ser. Leia mais...
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Um beijo brilhoso furtivo de lantejoulas, Paula
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